Como se sabe, ao prestar serviço a um paciente, o cirurgião-dentista pode vir a ser responsabilizado em três esferas: cível, criminal e ética. Neste momento, abordaremos a responsabilidade civil do cirurgião-dentista, apresentando sinteticamente alguns elementos introdutórios.
Para que haja a responsabilização civil, necessariamente devem co-existir três pressupostos, a saber: i) conduta “inadequada”; ii) dano; e iii) nexo de causalidade entre a conduta “inadequada” e o dano.
Destaca-se que a falta de qualquer um deles, ainda que os demais estejam presentes, impossibilita a responsabilização civil do profissional.
O primeiro pressuposto a ser analisado é a conduta do cirurgião-dentista. Para que possa ser responsabilizado, a conduta do profissional deve ser considerada inadequada. Considerando os termos utilizados pela legislação, temos que a conduta, para que haja a responsabilização, deve ser ilícita, defeituosa.
O segundo elemento a ser analisado é o dano, isto é, é o mal causado ao ofendido, no caso, ao paciente. Este dano pode ser de ordem material (danos emergentes – o que paciente gastou, perdeu – e lucros cessantes – o que paciente deixou de ganhar, receber) ou moral. Para a maioria dos juristas e dos julgadores, incluindo decisões do Superior Tribunal de Justiça, há uma terceira espécie de dano, qual seja, o dano estético.
Constatada a existência da conduta “inadequada” e do dano, deve-se analisar se o dano do paciente é decorrente da conduta “inadequada” do profissional. Ou seja, se há nexo causal entre o dano do paciente e a conduta do cirurgião-dentista. Se a resposta for afirmativa, o profissional será responsabilizado civilmente. Se não houver nexo causal entre a conduta do profissional e os danos do paciente, não há que se falar em responsabilidade civil.
Como se trata de conduta praticada por profissional liberal (cirurgião-dentista), além dos pressupostos acima, deve-se investigar se resta presente no caso em discussão se houve ou não culpa do agente. Isso porque, a responsabilidade dos profissionais liberais, tal qual o “dentista”, o médico e o advogado, deve ser sempre analisada sob a ótica da existência de culpa.
Portanto, fala-se em conduta culposa do agente. Esta culpa pode ser por imprudência, negligência ou imperícia do profissional.
A imprudência caracteriza-se pela ação de modo diverso daquela indicada para o caso concreto, é o açodamento, a precipitação. Ex.: ultrapassar cruzamento no sinal vermelho; realizar tratamento não recomendado.
Ao contrário da imprudência, a negligência revela-se como uma omissão, assemelhando-se à desídia na conduta. Ex.: deixar de abastecer o veículo; deixar de solicitar exames antes de iniciar o tratamento; não dar atenção às queixas de dor do paciente após a realização de um procedimento (cirurgia).
A imperícia pode ser definida como a ausência de aptidão técnica para realizar a conduta, é o despreparo, a falta de habilidade. Ex.: dirigir sem habilitação; realizar técnica que não está acostumado (prática). Alguns classificam como imperito o cirurgião-dentista que realiza procedimento de determinada especialidade sem possuir o respectivo título acadêmico.
Outro ponto que merece atenção é a natureza da responsabilidade do cirurgião-dentista. No nosso ordenamento jurídico possuímos duas “espécies” de responsabilidade: subjetiva e objetiva.
Na responsabilidade subjetiva, somente ocorrerá a responsabilização se a conduta do agente for uma conduta culposa (em qualquer de suas modalidades). Nesta espécie, a existência de culpa na conduta é imprescindível para a configuração da responsabilidade civil.
A responsabilidade subjetiva é a regra no Código Civil e deve ser aplicada em todas as ações em que o paciente alega que o dano por ele sofrido decorre de uma conduta do profissional da Odontologia no desempenho de sua atividade.
Diferente da responsabilidade subjetiva, na responsabilidade objetiva não se perquire a existência de culpa na conduta do agente, bastando a existência dos pressupostos da responsabilidade (conduta, dano e nexo). Assim, nesta espécie, pode haver responsabilidade sem que haja culpa.
É a regra do Código de Defesa do Consumidor (exceção aos profissionais liberais), aplicando-se às ações em que o dano seja decorrente da atividade da clínica (defeito em aparelho, queimadura por fio desencapado, etc.).
Questão tormentosa para a Odontologia é a natureza da obrigação. Obrigação, em termos jurídicos, pode ser conceituada como um vínculo que confere ao credor o direito de exigir o cumprimento de uma obrigação pelo devedor. Esta obrigação pode ser de meio ou de resultado.
Nas obrigações de meio, o profissional se compromete a empregar todos os meios, conhecimentos, técnicas para a consecução de um objetivo, cabendo, via de regra, ao paciente provar que houve conduta culposa do profissional. Se o profissional demonstrar que agiu de acordo com os preceitos técnicos da profissão, ainda que o resultado não tenha sido alcançado, não há que se falar em responsabilidade do cirurgião-dentista.
Por seu turno, na obrigação de resultado, o profissional se compromete a alcançar um determinado objetivo. Somente estará cumprida a obrigação se este resultado for alcançado. Se o resultado não for alcançado, presumir-se-á a culpa do cirurgião-dentista.
Infelizmente, embora não concordemos, faz-se crescente a opinião de juristas e julgadores no sentido de classificar a obrigação do cirurgião-dentista como sendo de resultado e não de meio, sob o argumento de que a sintomatologia, o diagnóstico e a terapêutica são definidas e, portanto, torna-se mais fácil para o profissional se comprometer a curar.
Assim, considerando o todo mencionado, para que o cirurgião-dentista seja responsabilizado civilmente deve estar presentes a conduta inadequada culposa, o dano e o nexo causal. Ademais, a sua responsabilidade é subjetiva e a obrigação em relação ao paciente é de meios e não de resultados.
*Sobre o Autor:
Marcos Coltri
Advogado especialista em Direito Médico e Odontológico; docente do curso de Gestão de Consultório e Formação de ASB (ABO-MT) e da pós-graduação em Direito Médico e da Saúde do IPEBJ (Instituto Paulista de Estudos Bioéticos e Jurídicos); palestrante e coordenador de cursos jurídicos voltados para a Odontologia e Medicina.
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